domingo, 8 de setembro de 2019

O Guia Contra Mentiras - como pensar criticamente na era da pós-verdade



Quando encontro qualquer literatura que estampa na sua capa a palavra guia, eu instintivamente enxergo com olhos pouco amistosos. A primeira imagem que surge em minha mente é de um livro sobre turismo, ou sobre receitas de doces ou pratos rebuscados. Pequenas regras separadas em tópicos, com uma proposta única de fornecer a você o mínimo para reproduzir algo, ou informações básicas sobre a proposta do guia. Algo como uma fórmula, que no meu enxergar tira o prazer de uma leitura continuada e reflexiva, que é o que eu busco num livro. Olho novamente, e me deparo com o convidativo subtítulo. Nos tempos atuais, o pensar criticamente é altamente desejável. Se a obra se propõe a isso, vamos dar uma chance a ela.

Devo confessar que devorei o livro, e não me arrependo. Daniel J. Levitin é um professor de psicologia e neurociências, que julgou por necessário colocar em texto uma série de recomendações que pudesse nos ajudar a enxergar melhor as informações que diariamente nos passam pelos olhos. É aí que repousa seu conceito de guia. Mas não espere um texto salpicado de pequenos conceitos, ou subdividido em dezenas de recomendações. Ele trabalha convidativamente as partes de sua obra de acordo com os tipos de informação que nos são apresentados. Sua escrita flui muito fácil e ele adiciona uma pitada de humor aqui e ali, intercalando com sua enxurrada de dados e informações. Uma grande vantagem é que o autor sabe dosar a caneta, e se policia para que seu texto não avance para um terreno mais especializado, mais árido. Esta é uma obra que agrada todo mundo.

Dedicando boas páginas ao mundo dos números (e mesmo que ele lhe convide a prestar atenção em alguns cálculos, não perde o ritmo se detendo em detalhes), o autor nos mostra como dados podem ser apresentados visualmente, de maneiras bem diferentes. Especialmente de acordo com que tipo de informação você quer apresentar. Ele pontua aspectos práticos da construção e interpretação de gráficos, fazendo uma crítica ajustada sobre seu poder explanatório. Um conselho e tanto. Eu convivo com gráficos o tempo todo, e esse tipo de literatura é um pequeno oásis no meio do deserto. Ele consegue ser mais claro e objetivo do que muitos especialistas na área, com um texto rico, fácil e delicioso de acompanhar.

Um tópico que não posso deixar de mencionar é sua capacidade de associar seus conselhos com nossos claros defeitos de interpretar informações. Ponto positivo para o autor, que seleciona muito bem onde encaixar seus exemplos envolvidos pelo seu profundo conhecimento sobre neurociências. Mas não se preocupe, ele sabe se exprimir na medida certa para fazer você entender onde nosso cérebro está errando, sem recorrer a uma possivelmente cansativa e desnecessária descrição técnica. Ele não quer isso, e você também não.

Preciso destacar dois aspectos muito positivos da obra. O primeiro deles é o espaço que ele dedica para destrinchar o conceito de especialista, e o nível de confiabilidade que podemos (ou devemos) conceder diante das supostas afirmações de um. É soberbo como ele aborda o assunto, mostrando que um especialista em uma área não significa que sua opinião seja razoável, ou mesmo inteligente, sobre outros temas. O segundo é que ele destrincha bem o que é ciência, e casa sua narrativa com o melhor da compreensão sobre o método científico, especialmente como critério para se avaliar a plausibilidade de qualquer argumento ou opinião que nos chega aos ouvidos.

Publicado pela editora Objetiva, o livro é pequeno e confortável, recheado de ilustrações em preto e branco, com páginas amareladas e foscas. A tipografia casa bem aos olhos e a leitura flui agradável. Quando digo que ele é fácil de ler, não estou exagerando. Li a primeira metade da obra em uma interminável fila de espera no médico, e terminei a segunda metade em um hotel, durante uma viagem. E mais um último conselho: se você é professor, eu recomendo usar os exemplos do livro em suas aulas.

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